terça-feira, 29 de março de 2011

Entrevista com Rafinha Bastos

No palco e ao vivo no "CQC", Rafinha Bastos é sempre ácido no humor. Mas enquanto brinca com seu filho ainda bebê, o jornalista e comediante está desarmado. Fica bobão e babão como qualquer pai. Entre uma piada espontânea e outra, sua mulher, Junia Carvalho, com quem é casado há 12 anos, ainda acha graça “nas novas, né...”, confessa.

Depois de viajar o Brasil durante três anos, Rafinha se prepara para lançar seu primeiro espetáculo solo, “A Arte do Insulto”, em DVD, no dia 24 de março durante o Risadaria. Em seguida, já engata a estreia de “Apenas uma Boa Pessoa”, um texto de stand-up com título carregado de ironia, que promete, como todos os outros, vir cheio de provocações com garantia de boas risadas. Além do show, nesta conversa, ele reflete sobre o papel do jornalismo e defende a qualquer custo sua liberdade de expressão.

Quando você decidiu deixar o jornalismo (Rafinha chegou a trabalhar na RBS, no Rio Grande do Sul) para fazer comédia como profissional?
RAFINHA BASTOS: Desde 1999 produzia vídeos de comédia para a internet. Neste mesmo ano, fui para os Estados Unidos e vi o stand-up comedy na televisão. Já tinha um movimento aqui no Brasil, com nomes como o Sergio Rabelo, mas não tinha esse nome, não era organizado, digamos.

Como se monta um espetáculo de stand-up?
Um texto pode ser um trechinho de dois minutos ou um solo de 1h10. O solo nada mais é que uma união de trechinhos. Juntar uma coisa na outra não é o problema, problema é fazer esses dois minutos funcionarem.

E qual é o seu processo de criação?
Não tenho um método. Só preciso sentar para escrever. O texto fica espontâneo porque, mesmo sendo histórias que não necessariamente aconteceram comigo, são coisas que saíram da minha cabeça, por isso soa autêntico.

O “Apenas uma Boa Pessoa” está pronto?
Está. Estou só montando todas essas coisas que criei enquanto encenava “A Arte do Insulto”. Fui criando coisas ao mesmo tempo que não coloquei neste show do DVD.

A proposta então é completamente diferente do “A Arte do Insulto”?
É, mas tem uma ironia no título e estarei vestido como presidiário na foto do cartaz. Eu naturalmente tenho um texto mais pesado. Neste novo falo sobre estupro, religião... Não é apologia nem nada, são coisas que penso e coloquei no papel. No “A Arte do Insulto” quis marcar território.

Temas comuns no seu texto, como religião e preconceito, continuarão presentes?
Sempre gostei de falar de religião. A fé gera uma hipocrisia tão grande. As pessoas depositam tanta
responsabilidade e tanta expectativa num ser que não existe. Acho uma piração meio louca isso. Todo mundo carrega uma culpa meio católica, mesmo quem não é católico. O casamento, o não trair, morrer e ser enterrado... É uma moral que vai acima das nossas possibilidades. As entidades estabelecidas acabam virando alvo de piadas inevitavelmente.

A sua família é judaica, você não segue o judaísmo?
Meu pai é judeu, minha mãe não. Me considero um agregado. Meu pai não me obrigou a me batizar. Acredito em Deus, mas não tenho religião.

O humor tem que ter esse lado provocativo?
O humor não tem nenhuma função. Quem tem é o comediante. Depende da maneira como você vê e do que você acha engraçado. Acho engraçado mexer nessas coisinhas, provocar um pouquinho aquela risada que traz um certo desconforto, porque isso está mexendo de alguma forma (com o público). Não tenho nenhum objetivo de educar. Se você fixa uma regra, provocar ou educar, acaba perdendo um pouco da graça.

No "CQC", por exemplo, através do humor, você sempre vai deixando alguma opinião aqui e ali. O humor é uma forma também de dizer algumas verdades?
Sim. E no "CQC", realmente, desde o começo, eles entenderam que meu humor seria esse. Não seria o cara mais amado, não ia ser aquele com quem as pessoas se identificariam mais, não sou o mais popular. Muita gente não gosta de mim porque eu não tenho censura, freio para piada, faço o que vem à cabeça. O preconceito surge do incômodo. Se você se incomoda com o que eu falei, talvez carregue este preconceito com você, mais do que eu. Poder tirar sarro de um cara de cadeira de rodas significa que talvez eu possa me aproximar mais rápido dele do que alguém que tem pena. Quem
se incomoda não é o cadeirante, são as pessoas que sentam ao seu lado. Ele adora se sentir representado, porque, se no humor a gente pode falar de religião, de tudo o que toca indiretamente as pessoas, por que não tocar, não brincar?

Existe mesmo uma onda do politicamente correto?
Estamos vivendo uma onda sim. Nos Trapalhões, eles chamavam o Mussum de negro bêbado. Hoje uma piada dessas causa um choque horrível.

Mas por que você acha que isso mudou tanto?
As nossas celebridades, os apresentadores de televisão tem medo de falar o que pensam. O mundo está vivendo
uma "lucianohuckzação". Todo mundo é amigo de todo mundo, bom moço, um cara bacana. Tudo meio bobo.

Como isso interfere na maneira da sua geração - como Danilo Gentili, que também faz piadas provocativas -- fazer humor?
Tem muita gente nessa geração que ainda é muito bundona também. Os caras que são hoje grandes na Globo não tocam em nenhuma ferida. Se um dia me impedirem de fazer isso não fico mais na televisão, porque não vai valer a pena. Até me vendo quando faço um comercial, quando dou minha cara para um produto. Posso vender a minha imagem, mas nunca o meu discurso.

Tem algum tema que pra você não tenha graça?
Não. Às vezes não tenho vontade de fazer uma piada, mas não me imponho um limite. Acho que aí começaria a perder a graça. As pessoas às vezes exigem, por exemplo, que eu diga alguma coisa sobre o terremoto no Japão. Hoje não tenho vontade de fazer piada sobre esse assunto, mas, se um dia vier e a piada for boa, eu vou fazer. Aprendi depois de muito tempo a não chutar cachorro morto. Por exemplo, por que vou fazer piada do cara do "Big Brother"? Para no outro dia aparecer na revista, ou no jornal, “Rafinha contra Serginho”. A piada gera repercussão às vezes, principalmente quando envolve nomes e geralmente dá merda.

Você toma cuidado com o que diz na internet?
Nunca tomei. Repercussão ou rejeição das pessoas acontece muito. Também acho que é função não deixar de fazer. Deixando de fazer, você está andando para trás. É importante exibir os seus pensamentos mais sórdidos e
seus preconceitos, porque todo mundo tem preconceitos das mais diversas coisas.

A internet carrega uma linha muito tênue entre te ajudar e te afundar, não é?
Sim, mas, se você não se preocupa com a repercussão o tempo inteiro, você faz o que quer. Não sou escravo de quem gosta do meu trabalho e nem do que digo. Posso vir a me arrepender de alguma coisa, porque fazer merda é humano. O que vejo de outros colegas comediantes é a vontade de crescer. E a vontade de crescer sem a veracidade do discurso morre por si só. Do que adianta chegar na televisão e não dizer o que pensa, brincar com o que quer?

De uma forma ou de outra, o stand-up acaba levando mais gente para os outros gêneros do teatro. Você concorda?
Teatro é caro. É caro levar uma peça com 15 pessoas para Ribeirão Preto. Hoje, um produtor prefere levar o Rafinha pra cidade dele do que a peça da Glória Menezes, porque a peça envolve cenário, transporte, passagens. Eu vou sozinho e levo três mil pessoas para a casa. Tem dois lados nisso: levamos mais gente sim para o teatro, mas também a gente detona muita praça. Mas também nunca achei que o teatro fosse o melhor lugar para o stand-up.

Por quê?
No teatro o cara fica mais distante, é uma linguagem um pouco distante. E nós trabalhamos com uma linguagem mais coloquial, papo furado. Dá certo? Dá, mas não acho que é o lugar mais bacana. Sempre gostei de fazer em bar.

Por isso a criação do Comedians?
O bar é o quintal de casa. Quando a gente começou, em 2004, para testar uma piada era só no show semanal. Se esquecesse a piada fudeu. Hoje temos três shows por dia no Comedians. Se a piada não funcionou no show das 20h, posso testar de novo no das 22h e no das 00h.

No "CQC", você fez o quadro Proteste Já e agora está também no "A Liga". Desde a redação na RBS já havia então uma vontade de trabalho social?
A vontade de informar já tem uma preocupação social, mas com o Proteste Já foi uma das poucas experiências que eu tive – e talvez no país – de realmente confrontar. O jornalismo no Brasil é muito bundão. A gente já aprende na faculdade isso. É quase como na Igreja: você tem que ser imparcial, deixe que eles mostrem os diferentes lados. Às vezes está nítido que existe o problema e que precisa ser resolvido. A imprensa às vezes pode tomar partido e pode representar realmente a comunidade frente as autoridades.

E por que saiu do quadro, muitos processos?
Porque comecei a fazer o "A Liga" e ficou muito pesado. Nunca tive muita represália, mas era cansativo mesmo.

No "A Liga" você trabalha como jornalista com temas delicados. Como ver tudo isso de perto mexe com você?
O objetivo do programa é fazer com que mexa mesmo. É isso que acho que é genuíno: ver uma situação e passar para as pessoas realmente o que está sentindo. É menos coxinha e mais humano. Você indo fazer um trabalho destes como jornalista não tem como não ser tocado.

Dentro deste contexto, de pouca educação e muita corrupção no país, qual deveria ser o papel da televisão no Brasil?
A imprensa faz bem ou, pelo menos, há muito tempo nós sabemos mais ou menos o que está acontecendo. Esse jornalismo nunca é completamente imparcial. Pra mim, a evolução disso seria perder essa arrogância do jornalismo convencional e entrar mais nas histórias, conseguir contá-las de uma maneira mais interessante e inteligente. O jornalismo precisa ser mais humano e perder esse ranço de cuspir informação da maneira como é feita agora.


Entrevista concedida ao site www.colheradacultural.com.br


Diego Moreira
Administrador, empresário e aspirante a palestrante.
Apaixonado por carnaval, música, cerveja e mulher (não necessariamente nessa mesma ordem!), é torcedor fanático do Colorado e da Escola de Samba Unidos da Cova da Onça. Acredita no potencial humano, porém anda um pouco desacreditado com a humanidade como um todo.
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